Contribuição do Meio Social para o Desenvolvimento da Linguagem Infantil


Introdução
O meio social é um factor de grande importância para o desenvolvimento da linguagem infantil. Todo o que caracteriza o ser humano tem a sua génese na interacção com o meio onde vive e, o meio social aparece a desempenhar um papel de mera importância no desenvolvimento da linguagem. A criança por si só dificilmente poderá desenvolver as habilidades linguísticas que lhe possa permitir comunicar-se com outros. É nesta linha de ideia onde o presente trabalho científico será desenvolvido apoiado pela consulta bibliográfica e pelo método hermenêutico que nos permitiu a interpretação as fontes consultadas.

1.Desenvolvimento da Linguagem infantil

A noção de desenvolvimento está atrelada a um contínuo de evolução, que compreende a todo ciclo vital. Essa evolução, nem sempre linear, se dá em diversos campos da existência, tais como afectivo, cognitivo, social e motor. O meio social é factor de máxima importância no desenvolvimento humano. Pela interacção social, aprendemos e nos desenvolvemos, criamos novas formas de agir no mundo, ampliando nossas ferramentas de actuação durante todo o ciclo vital.
1.1.Aquisição da linguagem
Existem duas grandes vertentes na Psicologia que explicam a aquisição da linguagem. Uma delas defende que a linguagem já nasce connosco; outra, que é aprendida no meio. Vejamos os principais autores de cada uma das partes:
         Proposta ambientalista: “do nada ao tudo através da experiência” Skinner: possibilidade de explicar a linguagem e qualquer comportamento humano complexo pelos mesmos princípios estudados em laboratório.
         A proposta inatista forte: Chomsky: o bebé nasce com todo o aparato. Nada é aprendido no ambiente; é apenas disparado por ele. A criança apenas vai se moldando às especificidades da sua língua.
         A proposta interacionista: Piaget: o mecanismo interacionista -- a linguagem faz parte de uma função mais ampla, que é a capacidade de representar a realidade através de significados que se distinguem de significantes.
         Vygotsky: raízes genéticas do pensamento e da linguagem – linguagem é considerada como instrumento mais complexo para viabilizar a comunicação, a vida em sociedade. Sem linguagem, o ser humano não é social, nem histórico, nem cultural.
         Bruner: Psicologia cultural – defende a visão cultural do desenvolvimento da linguagem e coloca a interacção social no centro de sua atenção sobre o processo de aquisição.
         Cole: Sociocultural – para que a criança adquira mais do que rudimentos de linguagem, ela deve não apenas ouvir ou ver linguagem, mas também participar de actividades que a linguagem ajuda a criar e manter.

1.2.Desenvolvimento da linguagem
Perspectivas de Estudo do Desenvolvimento humano (Ribeiro, 2005): Na Psicologia do Desenvolvimento, temos algumas perspectivas diversas.
         Para os teóricos Ambientalistas, entre eles Skinner e Watson (do movimento behaviorista), as crianças nascem como tábulas rasas, que vão aprendendo tudo do ambiente por processos de imitação ou reforço;
         Para os teóricos Inatistas, como Chomsky, as crianças já nascem com tudo que precisam na sua estrutura biológica para se desenvolver. Nada é aprendido no ambiente, e sim apenas disparado por este;
         Para os teóricos Construcionistas, tendo como ícone Piaget, o desenvolvimento é construído a partir de uma interacção entre o desenvolvimento biológico e as aquisições da criança com o meio. Temos ainda uma abordagem Sociointeracionista, de Vygotsky, segundo a qual o desenvolvimento humano se dá em relação nas trocas entre parceiros sociais, através de processos de interacção e mediação;
         Temos a perspectiva Evolucionista, influenciada pela teoria de Fodor, segundo a qual o desenvolvimento humano se dá no desenvolvimento das características humanas e variações individuais como produto de uma interacção de mecanismos genéticos e ecológicos, envolvendo experiências únicas de cada indivíduo desde antes do nascimento;
         Ainda existe a visão de desenvolvimento Psicanalítica, em que temos como expoentes Freud, Klein, Winnicott e Erikson. Tal perspectiva procura entender o desenvolvimento humano a partir de motivações conscientes e inconscientes da criança, focando seus conflitos internos durante a infância e pelo resto do ciclo vital.
Vygotsky et. al. (1987) acredita que as características individuais e até mesmo suas atitudes individuais estão impregnadas de trocas com o colectivo, ou seja, mesmo o que tomamos por mais individual de um ser humano foi construído a partir de sua relação com o indivíduo. Suas maiores contribuições estão nas reflexões sobre o desenvolvimento infantil e sua relação com a aprendizagem em meio social, e também o desenvolvimento do pensamento e da linguagem.
Vygotsky (1996), sempre considerou o homem inserido na sociedade e, sendo assim, sua abordagem sempre foi orientada para os processos de desenvolvimento do ser humano com ênfase da dimensão sóciohistórica e na interacção do homem com o outro no espaço social. Sua abordagem sócio-interaccionista buscava caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como as características humanas se formam ao longo da história do indivíduo.
Para Vygotsky (1989), a criança nasce inserida num meio social, que é a família, e é nela que estabelece as primeiras relações com a linguagem na interação com os outros. Nas interacções quotidianas, a mediação (necessária intervenção de outro entre duas coisas para que uma relação se estabeleça) com o adulto acontece espontaneamente no processo de utilização da linguagem, no contexto das situações imediatas.

Essa teoria apóia-se na concepção de um sujeito interactivo que elabora seus conhecimentos sobre os objectos, em um processo mediado pelo outro. O conhecimento tem génese nas relações sociais, sendo produzido na intersubjectividade e marcado por condições culturais, sociais e históricas. 

Segundo Vygotsky (1989), o homem  se produz na e pela linguagem, isto é, é na interacção com outros sujeitos que formas de pensar são construídas por meio da apropriação do saber da comunidade em que está inserido o sujeito. A relação entre homem e mundo é uma relação mediada, na qual, entre o homem e o mundo existem elementos que auxiliam a actividade humana. Estes elementos de mediação são os signos e os instrumentos. O trabalho humano, que une a natureza ao homem e cria, então, a cultura e a história do homem, desenvolve a actividade colectiva, as relações sociais e a utilização de instrumentos. Os instrumentos são utilizados pelo trabalhador, ampliando as possibilidades de transformar a natureza, sendo assim, um objecto social.

Os signos também auxiliam nas acções concretas e nos processos psicológicos, assim como os instrumentos. A capacidade humana para a linguagem faz com que as crianças providenciem instrumentos que auxiliem na solução de tarefas difíceis, planejem uma solução para um problema e controlem seu comportamento. Signos e palavras são para as crianças um meio de contato social com outras pessoas.
Para Vygotsky (1987), signos são meios que auxiliam/facilitam uma função psicológica superior (atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos, etc.), sendo capazes de transformar o funcionamento mental. Desta maneira, as formas de mediação permitem ao sujeito realizar operações cada vez mais complexas sobre os objectos.

Segundo Vygotsky (1989), ocorrem duas mudanças qualitativas no uso dos signos: o processo de internalização e a utilização de sistemas simbólicos. A internalização é relacionada ao recurso da repetição onde a criança apropria-se da fala do outro, tornando-a sua. Os sistemas simbólicos organizam os signos em estruturas, estas são complexas e articuladas. Essas duas mudanças são essenciais e evidenciam o quanto são importantes as relações sociais entre os sujeitos na construção de processos psicológicos e no desenvolvimento dos processos mentais superiores.
Os signos internalizados são compartilhados pelo grupo social, permitindo o aprimoramento da interacção social e a comunicação entre os sujeitos. As funções psicológicas superiores aparecem, no desenvolvimento da criança, duas vezes: primeiro, no nível social (entre pessoas, no nível interpsicológico) e, depois, no nível individual (no interior da criança, no nível intrapsicológico). Sendo assim, o desenvolvimento caminha do nível social para o individual.

Como visto, exige-se a utilização de instrumentos para transformar a natureza e, da mesma forma, exige-se o planejamento, a acção colectiva, a comunicação social. Pensamento e linguagem associam-se devido à necessidade de intercâmbio durante a realização do trabalho. Porém, antes dessa associação, a criança tem a capacidade de resolver problemas práticos (inteligência prática), de fazer uso de determinados instrumentos para alcançar determinados objectivos. Vygotsky chama isto de fase pré-verbal do desenvolvimento do pensamento e uma fase pré-intelectual no desenvolvimento da linguagem.

Por volta dos 2 anos de idade, a fala da criança torna-se intelectual, generalizante, com função simbólica, e o pensamento torna-se verbal, sempre mediado por significados fornecidos pela linguagem. Esse impulso é dado pela inserção da criança no meio cultural, ou seja, na interacção com adultos mais capazes da cultura que já dispõe da linguagem estruturada. Vygotsky destaca a importância da cultura; para ele, o grupo cultural fornece ao indivíduo um ambiente estruturado onde os elementos são carregados de significado cultural.
Os significados das palavras, por sua vez, fornecem a mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo, ou seja, como diz Vygotsky (1987), é no significado da palavra que a fala e o pensamento se unem em pensamento verbal. Para ele, o pensamento e a linguagem iniciam-se pela fala social, passando pela fala egocêntrica, atingindo a fala interior que é pensamento reflexivo.
A fala egocêntrica emerge quando a criança transfere formas sociais e cooperativas de comportamento para a esfera das funções psíquicas interiores e pessoais. No início do desenvolvimento, a fala do outro dirige a acção e a atenção da criança. Esta vai usando a fala de forma a afectar a acção do outro. Durante esse processo, ao mesmo tempo que a criança passa a entender a fala do outro e a usar essa fala para regulação do outro, ela começa a falar para si mesma. A fala para si mesma assume a função auto-reguladora e, assim, a criança torna-se capaz de actuar sobre suas próprias acções por meio da fala. Para Vygotsky, o surgimento da fala egocêntrica indica a trajectória da criança: o pensamento vai dos processos socializados para os processos internos.
A fala interior, ou discurso interior, é a forma de linguagem interna, que é dirigida ao sujeito e não a um interlocutor externo. Esta fala interior, se desenvolve mediante um lento acúmulo de mudanças estruturais, fazendo com que as estruturas de fala que a criança já domina, tornem-se estruturas básicas de seu próprio pensamento. A fala interior não tem a finalidade de comunicação com outros, portanto, constitui-se como uma espécie de “dialecto pessoal”, sendo fragmentada, abreviada.
A relação entre pensamento e palavra acontece em forma de processo, constituindo-se em um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra e vice-versa. Esse processo passa por transformações que, em si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no sentido funcional.
Vygotsky (1987), diz que o pensamento nasce através das palavras. É apenas pela relação da criança com a fala do outro em situações de interlocução, que a criança se apropria das palavras, que, no início, são sempre palavras do outro. Por isso, é fundamental que as práticas pedagógicas trabalhem no sentido de esclarecer a importância da fala no processo de interacção com o outro.
Segundo Vygotsky (1989), a aprendizagem tem um papel fundamental para o desenvolvimento do saber, do conhecimento. Todo e qualquer processo de aprendizagem é ensino-aprendizagem, incluindo aquele que aprende, aquele que ensina e a relação entre eles. Ele explica esta conexão entre desenvolvimento e aprendizagem através da zona de desenvolvimento proximal (distância entre os níveis de desenvolvimento potencial e nível de desenvolvimento real), um “espaço dinâmico” entre os problemas que uma criança pode resolver sozinha (nível de desenvolvimento real) e os que deverá resolver com a ajuda de outro sujeito mais capaz no momento, para em seguida, chegar a dominá-los por si mesma (nível de desenvolvimento potencial).
2.      As funções da linguagem
O termo linguagem é definido como organizado sistema de símbolos, com propriedades particulares que desempenham a função de codificação, estruturação e consolidação dos dados sensoriais, o que permite que experiências sejam comunicadas e seus conteúdos transmitidos.
A linguagem é, antes de tudo, social. Portanto, sua função inicial é a comunicação, expressão e compreensão. Essa função comunicativa está estreitamente combinada com o pensamento. A comunicação é uma espécie de função básica porque permite a interacção social e, ao mesmo tempo, organiza o pensamento. Para Vygotsky, a aquisição da linguagem passa por três fases: a linguagem social, que seria esta que tem por função denominar e comunicar, e seria a primeira linguagem que surge. Depois teríamos a linguagem egocêntrica e a linguagem interior, intimamente ligada ao pensamento.
2.1. A linguagem egocêntrica
A progressão da fala social para a fala interna, ou seja, o processamento de perguntas e respostas dentro de nós mesmos – o que estaria bem próximo ao pensamento, representa a transição da função comunicativa para a função intelectual. Nesta transição, surge a chamada fala egocêntrica. Trata-se da fala que a criança emite para si mesmo, em voz baixa, enquanto está concentrado em alguma actividade. Esta fala, além de acompanhar a actividade infantil, é um instrumento para pensar em sentido estrito, isto é, planejar uma resolução para a tarefa durante a actividade na qual a criança está entretida (Ribeiro, 2005).
 A fala egocêntrica constitui uma linguagem para a pessoa mesma, e não uma linguagem social, com funções de comunicação e interacção. Esse “falar sozinho” é essencial porque ajuda a organizar melhor as ideias e planejar melhor as acções. É como se a criança precisasse falar para resolver um problema que, nós adultos, resolveríamos apenas no plano do pensamento / raciocínio.
O desenvolvimento da linguagem depende não somente das condições biológicas inatas de cada indivíduo, como também sofre influência de factores ambientais presentes nos meios em que as crianças estão inseridas, como por exemplo, a família e a escola. O meio assume um papel essencial no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, pois nele a criança vai se desenvolver de forma progressiva.
Em um ambiente estimulante e facilitador a complexidade da linguagem da criança ou de cada individuo se desenvolverá de forma natural respeitando o ritmo individual. A escola é um dos ambientes que proporcionam o processo do desenvolvimento infantil. Cabe às instituições criar condições que propiciem ao indivíduo uma aprendizagem contínua, em que os conhecimentos adquiridos nos os primeiros anos de vida possam ser explorados, confrontados e aprofundados na instituição escolar.
As crianças estão sendo colocadas cada vez mais cedo e num período maior de tempo em instituições de educação infantil, portanto é importante que o ambiente escolar também seja avaliado, de forma que esse possa oferecer as melhores condições possíveis para o desenvolvimento infantil. Estes devem ser ambientes ricos em recursos em estimulação ao desenvolvimento de linguagem, principalmente na fase pré-escolar, fase na qual a criança começa a desenvolver conhecimentos e capacidade importantes para o bom desempenho não apenas escolar, mas também social e emocional.
O atraso de linguagem causa prejuízos escolares significantes na vida das crianças. A detecção precoce desses atrasos, bem como o conhecimento dos seus factores de risco e protecção, possibilita acções de promoção de saúde no campo da atenção primária em saúde com a melhor capacitação dos profissionais da área e organização de programas de intervenção na infância.

Conclusão

Um adequado desenvolvimento da linguagem depende de factores intrínsecos e extrínsecos. As influências do ambiente no qual a criança está inserida é de grande importância para o desenvolvimento lexical e fonológico. As produções científicas apresentadas apontam a relevância da estimulação no âmbito familiar e escolaridade dos pais, porém pôde-se perceber a carência de estudos que relacionassem o desenvolvimento infantil com o ambiente escolar, visto que este é de grande importância na aquisição e desenvolvimento da linguagem. Neste contexto, o desenvolvimento da linguagem infantil depende muito do meio em que a criança está inserida necessitando, deste modo, que o ambiente seja propício para que haja uma boa aprendizagem.

Bibliografia

RIBEIRO, A. M. Curso de Formação Profissional em Educação Infantil. Rio de Janeiro: EPSJV / Creche Fiocruz, 2005.
VYGOTSKY, LEV S.  Pensamento e linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 1987.  
__________________.  A formação social da mente. O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 3ª.ed. São Paulo, Martins Fontes, 1989.

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